quarta-feira, 12 de maio de 2010

Nós dois


Eu quero a calma de uma praia deserta
Para que o nosso amor desperte em paz.
Quero o sol da tarde beijando seu corpo nu
Entrelaçado, atrelado aos meus braços
Numa comunhão perfeita e necessária.

Quero este gotejar branco e vário,
Salpicando de desejo a nossa praia
E mesmo que isto não valha nada para você,
Estarei cúmplice deste desejo insofismável.

Quedo em seus braços amenos,
Misturarei-me à você e à areia
Que castigará nossos corpos suados

Em uma luta de titãs, sinônimos de desejo,
Brindaremos ao sol com nosso beijo
E dormiremos no píer abandonado

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Pequenez


Ofusca-me a passagem das horas
Que ora me faz tão só...
Embarga-me o infinito
Pois me faz tão pequeno
Quanto as orações de um ateu.

No azul imberbe desta tarde
Faço-me relíquia,
Posto que sou um
Dos poucos que contemplam
O sentido da própria pequenez,
Ante a força descomunal
De um universo que me fascina

Verdes mãos em preto e branco... e cinzas


Consagro a Ti, Senhor,
minhas mãos em preto e branco.
Minhas mãos crispadas...
agônicas... agonizantes,
quanto agonizante estou.
Veja, Senhor,
meu mundo desprovido
do verde original.
Este mundo cinzento
em cinzas
que mãos inconsequentes patrocinam.
Ampara-me, Senhor...
ampara minhas mãos que vertem a Ti.
Sublima-me.
Alivia-me deste caos
em que me convertem.
A harmonia se foi
com a vinda deste ser que,
ensandecido,
retira-me o véu e despe-me
ante a sua volúpia.
Lava-me, Senhor,
pois a aridez me consome
aos olhos do universo
e tira de mim o que tenho
de belo e puro:
a arte inglória de promover
a VIDA!

Conversão


Inefável túnel que me sorve.
Absorve-me das forças externas,
Quebrando-se em minhas costas
Como se fosse um látego.
Tua força líquida,
Pela força do impacto,
Há de ser a desertificação de meu ser.
Há de ser carrasco incorruptível,
Rompendo minha essência,
Livrando-me de minha existência...
Pequena existência corrompida.

Alheio à passagem que me oferece,
Presto-me, ofereço-me ao algoz,
Ao belo algoz que me engole voraz
E me ensurdece, e me cega e me remete
Ao olvido e à nulidade
Em que me converti.

Verte sobre mim a tua veste,
Teu véu azul convertido
Em lúgubre mortalha:
Sudário que, um dia,
Quem sabe, talvez,
Há de redimir-me,
Há de mitificar-me

Meu reino


A ostensividade da solidão...
Um castelo só meu, para brincar
Com silenciosos sentimentos.
Caminhando entre nuvens,
Percebo o céu aos meus pés...
E a imagem que vejo
Me é estranha e hostil,
Tanto quanto as lágrimas
Que saltam dos olhos,
Rumo ao precipício
Que a tua ausência sulcou em meu rosto.
De que vale um castelo
Para quem não possuí o reino desejado?

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Impressões sobre amantes esculpidos na lápide


É frio teu corpo frio
Sobre meu corpo também frio.
Frias são as cores que em desafio
Fugiram de nosso enlevo em preto e branco...
E cinza.
Pousei meus lábios gelados
Sobre os teus já sem vida...
Alguém quis imortalizar o instante,
Como se a dor já não fosse por demais
Naquela nossa mínima fração de tempo.
Esculpiram nossos corpos nus
Sobre uma lápide cinzenta
E revelaram ao mundo
A cena macabra de dois amantes
Ligados por lábios pálidos...
Quiçá cordões umbilicais
De um amor entorpecido
Pelo que jaz à sombra da eternidade.

Tempestade


Que força é esta que rasga
O véu lúgubre do firmamento...
que causa frêmito e tormento,
Iluminando a amplidão enegredecida
E assustando o tempo e a vida?
Bem se vê que esta força incontida
Gela a alma e ofusca a visão
Dos incautos homens.
Teria esta força um nome
_Como se pudéssemos nominar
O que causa espanto
E que é completo por si só?
Para uns é êxtase.
Para outros é chama.
Há os que ainda,
Antes que tal brilho se finde,
Evocam o Santo Supremo.
Solertes, expremem-se em um canto,
Exprimindo cantos de espanto
E cânticos de resguardo.
Entre as pedras de seus medos,
Emudecem-se na sacra espera
Do trovão que chega tardio,
Ribombando nas entranhas invadidas
Da noite fugazmente iluminada.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Emanações



Tosse... tosse...
Do meu lado alguém se contorce.
Gritos de dor na sala do lado.
Alguém discute
O melhor jeito...

PROXIMO!!!

Alguém chama
E a fila anda parada.
Bocejos, sussurros
O cara ao lado xinga pra dentro:
mmmm... pi... pi...!
Estou incomodada,
O sol bate em minha barriga.
Estendida na cadeira,
Analiso mosaicos
E não consigo montá-los

PROXIMO!!!

A fila continua andando
E continua parada.
Uma mão borboleta
Pousa em meu ombro.
Indizível paz naquele toque...
Fecho os olhos e apascento
O rebanho hostil em mim.

PROXIMO!!!

Priiiiiiimmm, priiiiiiimmm!
Telefone chato acima das vozes
Responde a outro ao fundo.
As vezes penso em sair correndo
E abandonar tudo...
Mas o enfrentamento
Faz parte de minhas limitações
E abandoná-lo é contravenção

PROXIMO!!!

Ninguém se manifesta.
O corredor se cala.
O telefone se cala.
O xingamento se cala
Uma letargia estranha me arrefece:
Meu corpo se cala
E bebo a sensação do desmaio
Como se fora néctar:
Minha cabeça
Pende para a esquerda...

PROXIMO!!!

Ouço na distância bem distante
E ainda sinto a mão
Arrebanhando minhas angústias.
Paradoxo:
Dedos longos, ossudos
Afagando... resgatando.
E aquela luz dissonante
Doendo gostoso na alma.

SILÊNCIO!

Como no trabalho suicida
Do bicho-da-seda.

SILÊNCIO!

De cavalos marinhos
Em seu cavalgar líquido.

SILÊNCIO!

Como a aurora rompendo
E o crepúsculo se impondo.
E é neste silêncio
Que o mundo se algazarra,
Galga suas ondas
E se espalha na lâmina cega
Desta vida gótica.

SILÊNCIO!

A mão apaziguadora toca meus dedos
E o choro se arrebenta da barriga,
Além do alarido do mundo.
Primeiro choro de muitos!
Campo de trigo ladeado
Por árvores colossais.
Cachoeira imberbe
Que terá toda uma vida
Para desaguar no mar.

O mar te espera,
Doce rebento!
E o sal há de temperar-te
Ou desidratar tua alma!
Mas vá! Segue teu curso...
Te expandas...
Convertas teu cajado
Em teu remo inseparável...
Em bastião inexpugnável.
Vá... simplesmente...
Que a gravidade do mundo
Fará todo o resto.
Como sempre fez...

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Tocaia



“ No vão da porta a image de Belarmino destaca cumo uma sombra e o chapinhá da bassôra na terra batida da cunzinha quebra o silêncio da manhã que ingatinha.
Dora cuntinua barreno e, de veiz inquano, óia de banda pro Belarmino. Fita suas costa incumbucada e arrepia de vê aquese muque têso mostrado pru baxo da camisa puída e remendada.
No cumêço num era assim, não! O casamento era só u’a cumbinação que fizero pra ela iscapá das crueldade do pai e pra ele se disligá das quizila do passado. Cum o passá dos ano, o trato feito de um não s’importá cum o ôtro num pôde mais sê cumprido.
Na solidão das noite, ou a tapera se amiudava ou os dois criscia mais e mais. Inté que os esbarrão que eles provocaro pur querê biliscava as coisa deles de tanto desejo. Os oiá ispichado se buscaro suspeitoso, amoroso, nas cara vermêia de vergonha.


***


Naquele dia, tudo cinzento. A chuva, disbarrancano pras banda do mataréu, envem, meio inzonêra, mais envem. Se num fosse o baruio do corguinho lá imbaxo já dava pra assuntá a derrancada dela logo ali pertim.
Belarmino enfia a mão pru baxo do chapéu e coça a cabeça. Dicerto masca o “É hoje o dia!”.
Ingole um nada que tem na boca seca, levanta a manga da camisa e alisa o piauzim dentro manguêro. Dispois, aparpa um caju vermêio e suspira u’a tosse.
Num “quero-num-quero”, vorta pra dentro da tapera, óia meio pru baxo pra Dora, pega o bule impretejado e dispeja o café na xícara discascada. Arremedano u’a paciença que os dedo nega tremente, sorve a beberage inquanto a ôtra mão coça a bunda pur num tê o que fazê.


***


Dora, arriada no tamburete, gunguna u’a modinha, catano o arroiz pro armoço que já, já divia de ficá pronto. Separa os grão num trabaio delicado e lerdo.
Que nem barata no azeite, ele, Belarmino, se arrasta, piriquitano praqui, prali, laçano as idéia iscundida nos canto do rancho. Vai inté a dispensa, apalpa uma por uma das banana-ôra dispinduradas na trava do cômodo.
Marrequinha, paquêra de passinho miúdo, ressona dibaxo do cate, dano o de-mamá pros quatro fiotinho que nascêro antonte. As manha de mãe apartô ela das caçada e ela já nem óia pra chumbêra enfiada pru cima da porta do quarto.
Belarmino murgueia e seus dedo grosso pulega o camim da cabeça inté o rabo da cachorra. Pesa um e ôtro cachorrim, se apruma cum um istralo no juêio e, sem oiá pra traiz, toca rumo da porta.
Antes de saí, aparpa o borso trasêro pra sinti o inchimento dos papel imbruiado num saquim prástico de açúca cristal. Só intão rudeia o canto de fora da casa, passa berano o paiol cai-num-cai, abre o cochête e segue o triêro, rompeno o morro baxo e pelado pelas pisadura da dezena de vaquinha magrela.
‘_ Sol e chuva,
casamento de viúva!
A chuva distrambeiada dispeja sua raiva naquele corpo moreno que infrenta ela num caminhá lerdo, mais dicidido. Mal sabe ela o que corre dentro da cabeça daquele hôme temoso.
O chapéu arreia cum o peso da chuva, pareceno fôia murcha, apartada do talo. A camisa colada nas costa fica quais transparente em cima da pele quemada e lisa. O corpo arquiado recebe os pingo grosso que o céu chora disconsolado. Inté parece adivanhano disgracêra!
Pur quanto tempo ele tá caminhano? A chuva minguano a dispusição e dobrano a distança e o dia andano a galope nos seus minuto contado e correto disatina a cabeça que já tava muito isquentada cum toda aquesa coisa que Dora envinha falano na hora da raiva.

***
Dora, cismada, pila a angústia de num podê fazê nada mais do que já envinha fazeno todo dia (_ Aquilo ´e sirviço de hôme. Do MEU hôme!). Remexe, intão, nos coité e nas panela isparramada em riba do girau e vai disfiano um disatino de pensamento nada agradave. Tira um pito de paia enfiado no nó que arremata o lenço na cabeça. Chupa a fumaça azulada. Bota a mão na anca e cum a ôtra dá u’as vorta ingnorante na cuié de pau, rebojano o feijão que borbuia no calderão de ferro nas lavareda da trempe. Veiz e ôtra iscorre dois... treis pingo do caldo na mão e leva na boca, ixprementano o tempero (_Será que Belo já chegô no vau?).


***

A zorra que a chuva faiz, o assobio do vento curvano pé de pau e o breu isparramado no cabresto do cerrado é dispercebido pra Belarmino pruquê ele só pensa no vau que abre a boca disdentada logo dispois da curva que vai seno rompida pelos pé discalço de Belarmino.
Se ôtra fosse a ocasião ele num passava pur ali. Mais é priciso chegá logo e, pur isso, se vale agora do ataio. Só quano dá de cara cum o disbarrancado é que assunta o medo correno no lombo, dano arripio de temor, misturado cum o do frio. Istacado na bêra da grota, procura o camim incubrido de capim-meloso. Respira fundo,móia a boca seca cum a água da chuva que discansa no seu bigode e discamba barranco abaxo.
Parece que a travessia nunca terminava na sua vida. O coração lateja e quarqué um pudia iscuitá do tanto que é forte o batido. Suas venta abre cismada. Os óio, quano pisca, pisca miudim, procurano os pirigo que pode vim de todo lugar. Os dedo da mão direita furmiga, ferrado no cabo ensebado da pexêra.”
_ É... é inté ingraçado o que que o mêdo faiz cum um hôme acustumado cum as brabêza da vida!


***


“ Dora, que de paciençosa num tem nada, viaja várias veiz o camim, no pensamento, quaiz podeno adivinhá onde deve de tá o Belo. Cum aquele tino que toda muié tem, ela larga os afazê, numa braçada só abarca o pelêgo disusado e a foice. Sem fechá a porta s’imbruia e sai. Parte pur um ôtro camim que disimboca no brejo perto do vau.


***


Belarmino consegue vencê a discida do vau e, cumo a ispantá o sufoco do peito, ripica a carrera, óia pro barranco na sua frente. Os filete de água é cobra barrenta que desce garrada nas ponta de pedra, vino no rumo dos seus pé, dano a idéia de abri grandes boca, de rebojá nas suas perna e de misturá cum o rêgo que acumpanha o discambá da grota.
Sacudino a cabeça, Belarmino toca pra longe as visage e, pela dúzia de veiz, aparpa o calombo no borso da carça (_Tá’qui!). Cabrêro, oiano de um lado pro ôtro, arripia de novo os passo. Usano u’a das mão na subida do barranco, ele fica muito disprivinido. Quand’é fé, um gorpe bastante dilurido lanha seu costado.
Cum terror ele se vorta e sua mão tenta inguli a distança intrimei o barranco que ela tava garrada e o cóis da carça, onde tá guardada a faca. Seus óio fisga o inimigo, terrivermente cunhecido, de foice na mão.
Um ôtro gorpe separa seu braço direito do resto do corpo, espirrano o sangue que mistura cum a água marron do rêgo d’água que incobre suas canela. Belarmino urra de dor e de disispêro, tentano tarracá o inimigo cum o braço que restô.
Novo gorpe! De novo a enxorrada de sangue!
Dispois do quarto gorpe, Belarmino cai e o inchimento muda de borso. Um cordão vermêio vai virano nata dentro d’água e os pêxe lambe o cabo da foice isquicida no chão. De pôco em pôco, se achegam cum menos receio do corpo queto de Belarmino, mei dentro, mei fora d’água.
A chuva afina, inté virá um serenim miúdo e frio. O vento acarma e um ôio de sol aparece mei invergonhado ditraiz do véu iscuro das nuve.
Uma “treis-pote” chega de manso, discunfiada, assuntano os pirigo que pudia vim daquele hôme deitado no vau. Istica o pescoço, óia em vorta, sintino a terra tremê cum o galope dum cavalo sumino longe. Sem procurá intendê nada, se infia na moita de são-jusé. Silêncio.”

***


_ Isso foi cinco ano atrais, seu moço! Desd’intão um disse-me-disse cuchichado pur aí dá conta de que o padre italiano custurô a batina desd’a barra inté a cintura, trocô aquela toquinha isquisita pur um “Panamá” branco dos ligítimo e já num bêja mais o rusáro frio. Prefere os beiço ardente de Dora. Diz inté que o saquim de açíca cristal fica dibaxo dum cochãozim pra apará mijo de minino galego. Mais eu num agaranto , não sinhô! Pur causa que nem eu, nem ninguém, nunca mais bateu perna pro lado de lá do vau.
_ Pur isso que missa aqui, seu moço, nessa curruitela, nunca mais! Puis boca que morde, ninguém é besta de querê beijá... ah! Isso é que não!!!

Os trilhos e o trem passageiro


“Escuta o trem-de-ferro alegre a cantar,
Na reta da chegada da chegada pra descansar...”

Paralelos sinuosos, feito cobras brilhantes,
Rasgando a terra, a distância e o tempo.
Como estria sobre o cerrado,
Sobrevive, agora,
mineral
de fuligem e sal,
Na direção do sol nascente...
Foi poema, transportando sonhos;
Foi música, engolindo pessoas e afetos;
Foi canto longínquo, embalando almas e corações.
Enquanto longe ia, levava anseios
E quando vinha, trazia noticias e beijos dos de lá.
Levou tantas saudades e desacertos...
Trouxe tantos regressos e sorrisos!
Eram tempos do comboio-quase-moradia
E seus leitos sacolejantes,
Que nem colo de mãe ninando.
Saudades daqueles vagões azuis,
Convertidos em memórias lentas e perenes.

“Vem, morena, ouvir comigo esta cantiga.
Sair por esta vida aventureira...”

Vem, morena, misturar-se a esse turbilhão de pernas,
A essa multidão de braços ausentes de abraços,
A essas muitas mãos desfraldando despedidas,
A outras mãos que se derramam no calor do regresso.
Corpos suspensos nas janelas mínimas,
Por onde se descortina a trilha eterna dos trilhos.
Vem, morena, montar o cavalo de aço,
Mochila nas costas, calça jeans e botas...
Meu expresso suporta a mim, a você e a nossos sonhos.
Vem, morena!
Partilhar saudades e aventura não é fato novo.
Ouça o apito rasgando o vento.
Já é hora de partir, deslizar pelos trilhos,
Nesta trilha de ida, mas também de chegança.
Se achegue mais em mim! Façamos um trio!
Eu, você e os trilhos!
O estribilho é farfalhar de árvores,
Que são vultos, que são sombras, que são borrões
Dormentes no final da curva.
Não borre sua maquiagem!
Deixe que o tempo a desfaça na hora certa.
Agora é hora de ouvir a sinfonia (in)acabada... e sentir.
“Escuta o trem-de-ferro alegre a cantar,
Na reta da chegada pra descansar...
Tanta toada eu trago na viola,
Pra ver você mais feliz...”

domingo, 25 de abril de 2010

O velório


Num tem muito tempo, eu me alembro de qui os velório dos difunto morto era feito dentro de casa memo, em riba da cama. Num tinha nada de botá o morto direto no cachão. Sem contá que o ditocujo era “bibido” cum muito café e pinga.
Uma veiz eu fui incumendá a alma de um afiado que morava lá pras banda da Boca da Onça, perto da casa do Pedro Garrincha. A úrtima vêiz que eu tinha visto o afiado foi na purcissão de Domingo de Ramo, no ano passado. Achei ele um cabuquim taludo, co seus trinta e pôcos ano, que me tacô um arroxo de abraço que quais me iscanhotô... e agora tava ali, induricido, marelo que nem safrão, na cama de mola que eu dei de presente de casamento prêle. Eita, que vida isquisita!
Mais isquisto foi o sucedido no velório, sô! Hummmm, nem te conto...!
Cheguei era quais cinco hora e o sol já discambava pras banda do Corgo do Armoço. Já tinha muita gente na solêra da porta, gungunano argumas lembrança e muitos “será-o-qui-conteceu”. Tirei o chapéu, entrei pra dentro e fui prestá homenage pro difunto.
Tava tudo arrumadim. O difunto em riba do cochão, cos pé virado pra porta da sala, e dibaxo da cama a bacia cum água, pro difunto num inchá. Já de noite, uns disinfiliz, qui já tinha bibido mais do que o difunto valia, resorvêro botá a cabeça do lampião no bujão da cunzinha, pra mio clariá a casinha.
Minino! O gais cumeçô a vazá numa gorfada branca e fidida. Eu tava de costa e sinti aquele vento gelado na nuca e assuntei aquele pampêro de gente correno pro rumo da porta, rastano tudo. No mei da gritaiada, era gente caíno e seno pisada por quem vinha atráis.
Num teve home corajoso qui num rupiô. Mais a nutiça que saiu lá fora era co difunto tinha dismurrido e tava bafejano o vento da morte em todo mundo.
Anssim, Os qui tava de fora quiria entrá -brabos que só veno- pra cabá de matá o morto,,, e os de dentro quiria saí. Travô tudo na sala miúda!
Eu tava rezano o terço pertim do difunto e cos isbarrão caí deitado em riba do morto. O cochão era de mola e num parava de tremê ca minha peleja pra levantá. Quano eu me sungava, o cochão afundava e o difunto sacudia dibaxo de mim.
Sô! A peleja durô bem uns cinco minuto e paricia qui o difunto tava gostano muito, puis ele balangava a cabeça pra riba e pra baxo no galiado do cochão. Eu num tava gostano nem um pôco, pro causa de qui fiquei sintino o frio do morto na minha barriga e escuitano gritaiada do povo atráis.
Eu sei que teve um saino pela janela, ôtro pelo teiado baxo que dispencô, jogano o sujeito no chiquero que tinha do lado da casinha. Eu num tenho medo de nada, não. Mais no calor do acunticido da hora mijei na rôpa... e foi tanto mijo qui impapô o terno do difunto.
Pra mode ninguém discunfiá da minha pôca valentia, peguei a bacia dibaxo da cama, derramei nimim e sai dali digêro.
Dispois disso, os morto eu incumendo lá do terrero da sala memo, sem pricisá de chegá muito perto, puis sei qui Deus e a famía num vai ficá mal sirvido cumigo.